Enclausurado em uma
cela continuo incessantemente a escavar esta parede com minha única
chance de liberdade, uma pequena colher de sopa. Dia após dia
repetindo os mesmos movimentos, pra cima e pra baixo tentando
destruir os metros que separam-me da liberdade incondicional.
Minto! Às vezes troco
a forma, direita esquerda, mudo de mão, somente pra tentar me iludir
que estou jogando um jogo diferente, em vão. A parede continua a
mesma, quase intacta, o objetivo continua o mesmo, impossível.
Acompanhando tudo em
terceira pessoa, em um quase transe começo a divagar se realmente
estou fazer o certo. Se há mesmo essa liberdade, relembro-me que um
dia já a tive e não me era muito melhor que essa existência
automática. Me mantenho, não posso parar se não desapareço para
sempre.
E não seria melhor
desaparecer? Não é tão simples, concluo. Já fiz coisas demais pra
simplesmente desaparecer, as memórias que deixo pra trás irão
machucar se eu não estiver presente para justifica-las. Preciso de
um tempo, umas férias desse meu pouco, dessa minha forma de ser.
Calos se formam, bolhas
estouram, e eu sempre me convencendo que a liberdade por fora dessas
paredes é um lugar melhor.
Minha cela sempre
mudando, agora ela é meu quarto e minha parede inexiste. Mas
continuo escavando, a cada letra digitada sinto um pouco dela se
dissolver, porém, a cada sentença finalizada ela retorna a sua
forma original.
As palavras ditas batem
e quebram, os sorrisos que eu mostro revestem mais e mais este
lugar, a cada mente ludibriada para achar que está tudo bem, a cada
essência enganada pra convencer a mim mesmo que um dia isso vai ter
fim eu me entrego ao vazio.
E nessa existência
vazia eu me encontro, me sou suficiente, sem esperanças para algo,
tentando não me apegar ao passado eu me mantenho aqui, firme, me
matando aos poucos só pra não parar, só pra fingir uma motivo pra
continuar.