segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Rodando


Enclausurado em uma cela continuo incessantemente a escavar esta parede com minha única chance de liberdade, uma pequena colher de sopa. Dia após dia repetindo os mesmos movimentos, pra cima e pra baixo tentando destruir os metros que separam-me da liberdade incondicional.
Minto! Às vezes troco a forma, direita esquerda, mudo de mão, somente pra tentar me iludir que estou jogando um jogo diferente, em vão. A parede continua a mesma, quase intacta, o objetivo continua o mesmo, impossível.
Acompanhando tudo em terceira pessoa, em um quase transe começo a divagar se realmente estou fazer o certo. Se há mesmo essa liberdade, relembro-me que um dia já a tive e não me era muito melhor que essa existência automática. Me mantenho, não posso parar se não desapareço para sempre.
E não seria melhor desaparecer? Não é tão simples, concluo. Já fiz coisas demais pra simplesmente desaparecer, as memórias que deixo pra trás irão machucar se eu não estiver presente para justifica-las. Preciso de um tempo, umas férias desse meu pouco, dessa minha forma de ser.
Calos se formam, bolhas estouram, e eu sempre me convencendo que a liberdade por fora dessas paredes é um lugar melhor.
Minha cela sempre mudando, agora ela é meu quarto e minha parede inexiste. Mas continuo escavando, a cada letra digitada sinto um pouco dela se dissolver, porém, a cada sentença finalizada ela retorna a sua forma original.
As palavras ditas batem e quebram, os sorrisos que eu mostro revestem mais e mais este lugar, a cada mente ludibriada para achar que está tudo bem, a cada essência enganada pra convencer a mim mesmo que um dia isso vai ter fim eu me entrego ao vazio.
E nessa existência vazia eu me encontro, me sou suficiente, sem esperanças para algo, tentando não me apegar ao passado eu me mantenho aqui, firme, me matando aos poucos só pra não parar, só pra fingir uma motivo pra continuar.