quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

1.A aula da tarde

Viagem noturna no trem da Via Láctea

Por Miyazawa Kenji
Traduzido por Lica Hashimoto e
Madalena Hashimoto Cordaro.
Editora Globo S.A
(Não possuo nenhum direito sobre a obra ou tradução, estou digitalizando por gostar da história, se alguém se sentiu ofendido, contate-me e eu a retiro do ar.)

1.A aula da tarde

     - Então, pessoal! Esta coisa branca e indistinta que alguns dizem ser um rio e, outros, a mancha de um fluxo de leite...Afinal de contas, o que é que vocês acham que isto realmente é, hein? - perguntou o professor à classe, apontando uma faixa extensa na região da Via Láctea num grande mapa preto de constelações que estava pendurado na lousa.
    Campanella levantou o braço. Em seguida, mais quatro ou cinco também levantaram o braço. Giovanni também pensou em levantar o braço, mas logo desistiu. Ele sabia que eram estrelas, pois um dia tinha lido sobre elas numa revista. Mas, ultimamente, Giovanni quase todos os dias tinha muito sono, mesmo em sala de aula, e não tinha tempo de ler, nem livros tinha e,por isso, ele não sabia bem por quê, mas parecia-lhe que não estava entendendo nada.
    Entretanto, mais que depressa, o professor percebeu isso:
    - Giovanni. Você sabe a resposta, não é mesmo?
    Prontamente Giovanni levantou-se, mas ao se pôr de pé, não conseguiu mais responder a questão. Zanelli, que sentava na frente, virou-se e começou a dar risadinhas olhando pra ele. Giovanni, desconcertado, ficou todo vermelho. O professor novamente refez a pergunta:
    - Se pegássemos um grande telescópio e examinássemos a-ten-ta-men-te a Via Láctea, o que vocês acham que veriam?
    “É lógico que veríamos estrelas!”, pensou Giovanni, mas mesmo desta vez não conseguiu responder.
    Por algum tempo, o professor pareceu inconformado, mas depois olhou para Campanella e perguntou-lhe:
    - Campanella, responda. - E então, mesmo aquele Campanella, que há pouco tinha levantado o braço com tamanha determinação, ao ser chamado ficou hesitante e, ao se levantar, igualmente não conseguiu responder.
    O professor parecia estar surpreso com a falta de resposta e por algum tempo continuou encarando Campanella, mas como ele não respondia, tratou de prosseguir a aula.
    - Bem, vamos em frente. - E apontou o mapa das constelações: - Se observarmos a Via Láctea, essa coisa branca e indistinta, com um grande e potente telescópio, veremos um conjunto de inúmeras e minúsculas estrelas, não é mesmo, Giovanni?
    Ruborizado, Giovanni concordou. Mas, em algum momento, seus olhos haviam se enchido de lágrimas. “É, eu sabia e, com certeza, Campanella também. Isso porque certo dia, na casa do doutor, pai de Campanella, nós dois já tínhamos lido sobre o assunto numa revista. E mais, naquele mesmo dia, logo após ler o artigo, Campanella foi à biblioteca de seu pai e trouxe um livro enorme e abriu-o na página sobre a Via Láctea. Ficamos horas a fio olhando uma foto muito bonita de página inteira, toda preta com inúmeros pontinhos brancos. Impossível crer que Campanella tenha se esquecido disso. Na verdade, eu sabia porquê de ele não ter respondido. Ultimamente eu estava trabalhando muito, tanto de manhã quanto à tarde e, mesmo na escola eu já não participava mais tão alegremente das brincadeiras e quase não mais conversava mais com ele. Foi por compaixão que ele, de propósito, não respondeu à pergunta do professor. E percebendo isso, senti que não só eu, mas ele também estava sofrendo por dentro.”
    O professor continuou a explicação:
    - E é por isso que, se considerarmos que a Via Láctea é um rio do céu, todas as pequenas estrelas cada uma delas, seriam grãos de areia ou cascalhos existentes em suas profundezas. Porém, se considerarmos que a Via Láctea é um grande fluxo de leite, como vocês podem perceber, esta versão é a que mais se aproxima de seu nome. Ou seja, num fluxo de leite, todas as estrelas seriam pequenas partículas de gordura que flutuam com delicadeza em sua superfície. Se assim for, o que equivaleria à água desse rio seria então o vácuo que conduz com determinada velocidade a luz. É nesse vácuo que flutuam o Sol e a Terra. Ou seja, nós também vivemos dentro dessa água do rio do céu que é a Via Láctea. E se olhássemos de dentro dessa água para os quatro pontos cardeais, veríamos que, assim como quanto mais profunda, mais azul é a água, na Via Láctea, quanto mais agrupada as estrelas, mais distantes elas estão e, por isso, parecem esbranquiçadas e indistintas. Vejam agora este modelo.
    O professor mostrou uma grande lente convexa de dupla face com muitos grãos de areia que brilhavam em seu interior.
    - A forma da Via Láctea é assim. Todos estes grãos brilhantes são como estrelas, que brilham por si só, como o nosso Sol. Digamos que o nosso Sol se localiza mais ou menos aqui no centro e que a Terra está bem próxima a ele. Vamos imaginar vocês, de noite, em pé, bem aqui no centro desta lente observando tudo a sua volta. Deste lado de cá, onde a lente é mais fina, vocês veriam apenas alguns grãos brilhando, ou seja, daria para ver somente algumas estrelas. Agora, aqui deste lado, as lentes são mais grossas e por isso vocês poderão ver muitos grãos brilhantes, isto é, muitas estrelas, e as mais distantes vocês só conseguiriam vê-las como alguma coisa esbranquiçada e velada. Esta é, enfim, a atual explicação da Via Láctea. Agora, quanto ao tamanho desta lente e as várias estrelas que estão dentro dela, como não temos mais tempo ficará para a próxima aula de Ciências. Ah! Hoje é o nosso Festival da Via Láctea, por isso observem bem o céu lá fora. E então, ficamos por aqui. Guardem os livros e os cadernos.
    Por algum tempo, na sala era só barulho de abrir e fechar das carteiras, de livros sendo empilhados até que, finalmente, todos ficaram de pé, ao lado de suas carteiras, fizeram reverência ao professor e saíram da sala.