quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A dor do renascimento

Lentamente o tato foi voltando ao seu corpo, não de forma amena e agradável, mas sim de uma dor insuportável. Ainda não via e nem ouvia nada quando começou a sentir odores, pútridos odores, o fedor de morte inundou sias narinas e o primeiro pensamento que não era sobre a dor nasceu: “Estou eu em meio aos mortos?”.
Depois de horas infinitas em sua concepção, sentindo todo seu corpo rasgar, com a sensação de ser arranhado, percebeu que a visão lhe voltará, porém continuava a encarar o breu total, julgou estar preso dentro de uma quarto fechado, privador de qualquer luz.
A um breve piscar de olhos ouviu um enorme estrondo, sentiu o tremor e se não bastasse a dor de mil navalhas o cortando, teve de aguentar uma enorme descarga elétrica. Um raio investiu contra o solo a meio metro de onde ele se encontrava, e o teto daquele quarto foi arremessado pra longe como uma tampa.
E uma tampa se mostrou ser, aquele não era um quarto e sim um caixão de pedra.
Nunca esperou sentir tamanha alegria ao ver nuvens tempestuosas acima de sua cabeça, o ar gélido e úmido penetrou suas narinas como um rato procurando um lugar para se esconder de um predador feroz, e o homem sentiu os lábios formarem um arco, um sorriso, quase como se não fossem dele.
Recuperando o gosto de vida, procurou olhar em volta, tentar descobrir de onde vinha o cheiro fúnebre. Por minutos forçou o pescoço a ascensão e quando, depois de todo o esforço conseguiu, sentiu nojo, horror ao perceber que estava sozinho.
Por horas, talvez dias, assistiu o seu próprio show de horrores, o fedor de morte vertia do seu corpo, antes inanimado e decomposto e agora regenerando-se lentamente, órgãos se reconstituindo, fluidos ressecados evaporando, talvez essa fosse a sensação que um feto sentiria se tive consciência de sua formação. A dor que sentia, ao contrário do que pensava, não era do seu corpo sendo dilacerado e sim a dor de sentir todos os tecidos de seu ser sendo reconstituídos e voltando a vida.
Depois de dois infindáveis dias, seu corpo já havia se restaurado por completo, mas a fraqueza tomara seu vasículo carnal. E ao toque do primeiro raio de sol , em quem sabe anos, o homem se arrastou para fora do seu leito da eternidade, deitando sobre a relva molhada, o cheiro de terra lhe deu ânimo. Sua mente eram só perguntas, dúvidas inimagináveis.
E assim renascia o homem, e quem sabe, assim também nascia uma lenda, um deus.

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