sábado, 6 de novembro de 2010

O nascimento do desejo

Do alto dos seus oito anos, o garoto de cabelos negros com corte estilo tigela, foi tentado pelos seus mestres, crianças também, pouco meses mais velhos que ele, a olhar pelo pequeno orifício da fechadura de uma porta, a prima de um dos seus amigos a se trocar no quarto de hóspedes daquela casa.


As batidas de coração de um novo ser começavam a soar na escuridão.


Hesitante o garoto deslizava seus olhos mistos de verde com um tom acastanhado pela porta comum, daquelas feitas em grande escala para pessoas de classe baixa terem acesso, provavelmente um ato de rebeldia do dono da casa contra a vontade de ter aquele cômodo de sua esposa. “Quarto de hóspedes atraem hóspedes” o senhor da casa sempre dizia.
Em frações de segundos, a inocência da brincadeira de criança foi perdendo terreno para o desejo e curiosidade de ver uma mulher nua.


A forma corporal começou a se constituir no breu etérico, o ser, sedento de tesão e desejo teve seus primeiros pensamentos enquanto salivava.


O coração palpitava a cada lampejo de imaginação sobre o corpo que esperava desnudo pelo seu olhar, agora libertino, mesmo na sua falta de experiência.
Naquele momento sua visão encontrou um ângulo onde ele podia ver desde os pés, com gotículas de água do banho recém tomado, até pouco acima dos joelhos, a pele lisa e de certa forma apetitosa fizeram suas mãos coçarem pelo ideia do toque.


De estrutura totalmente formada, a entidade se debatia, tentando rasgar o véu da realidade que o separava de seu criador.


O garoto esquadrinhava cada centímetro que surgia pela pequena janela de deleite sexual.


Com suas unhas grotescas, conseguiu abrir uma fissura grande o suficiente para passar para realidade comum. E como uma ave saindo de um ovo, o ser irrompeu para o mundo.


A sombra cresceu em volta do garoto, invisível para o resto do mundo, ignorada pela criança que dedicava toda a sua atenção a sua primeira musa. E a sombra o engoliu ao mesmo tempo que na visão do garoto, aquele corpo nu, perfeitamente desenhado, entrou em sua totalidade.
A entidade o dominou e o consumiria para sempre, a cada corpo feminino que ele, o antes inocente garoto, entrasse em contato.


O nome daquele ser? LIBIDO.

Um comentário:

Malena Mordekai disse...

Este foi um dos mais interessantes que eu li aqui.

Gosto muito de contos de foco de narrativa alternante, e da materialização de conceitos.